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Realidade de um ansioso

  • Foto do escritor: Letícia Vichuate
    Letícia Vichuate
  • 7 de mar. de 2023
  • 5 min de leitura

Atualizado: 27 de dez. de 2023

Conviver com um ansioso é difícil, mas agora imagine como é para o ansioso conviver com ele mesmo.


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Para explicar...


Faz quase 10 anos que fui diagnosticada com TAG - Transtorno de Ansiedade Generalizada e mesmo após todo esse tempo, ainda tenho dificuldades em conviver com a doença.

"Entrei em completo desespero, pensei que morreria naquele momento, totalmente sozinha.”

Uma definição breve: TAG - é uma ansiedade intensa e permanente que interfere nas atividades diárias e perdura por mais de 6 meses, podendo acarretar sintomas similares a Síndrome do pânico e Transtorno Obsessivo Compulsivo. Vou citar aqui os principais, podendo ser físicos e/ou neurológicos:

  • Fadiga;

  • Tensão muscular;

  • Palpitação;

  • Suor excessivo;

  • Dor de cabeça;

  • Disfunção sexual;

  • Disfunção gastrointestinal.

  • Perda de memória;

  • Insônia;

  • Dificuldade de concentração;

  • Irritabilidade;

  • Inquietação.


Além dos sintomas citados anteriormente, têm aqueles que aparecem no momento de uma crise.


Lembro-me vividamente da primeira vez que tive uma crise, eu precisei ser levada ao hospital, pois meus sintomas eram similares a de um AVC/AVE - Acidente Vascular Cerebral, popularmente conhecido como derrame.


Era um final da tarde e até então eu morava sozinha, foi quando senti fortes dores no abdômen e fui ao banheiro, acreditando ser só uma dor de barriga normal, logo, meu coração começou a palpitar, minha respiração ficou pesadíssima e eu, no desespero de "puxar" mais ar, comecei a hiperventilar. Em seguida senti fortes dores de cabeça e meu corpo passou a formigar, começando nas pernas, seguindo para os braços e nuca. Tive a sensação de febre interna, um calor intenso tomou conta, para aliviar, abri a torneira do banheiro para jogar água no rosto, ao fazer este movimento, perdi o controle dos músculos do braço direito, minha mão se contorceu e eu não conseguia mais mexê-la, levantei tentando me vestir com uma mão só, agora de pé, ainda jogando água no rosto e nuca, a mão esquerda também paralisou. Entrei em completo desespero, pensei que morreria naquele momento, totalmente sozinha. O medo parecia mais palpável que a água que eu tocava, então corri para o quarto procurando meu celular para pedir ajuda, quando tentei segurá-lo com as duas mãos paralisadas, ele caiu no chão, comecei a chorar muito e tentei gritar, e simplesmente não conseguia falar nada, saíam apenas uns grunhidos. Puxei com o pé alguns travesseiros e cobertores e os joguei no chão, deitei em cima e fiquei ali chorando por alguns minutos, não sei quanto tempo passou, mas parecia uma eternidade. Com o choro, esmoreci, parecia que um mundo inteiro saía das minhas costas, minha respiração foi ficando mais leve e senti meus lábios voltando ao normal, novamente tentei pegar o telefone, mas ainda não conseguia segurá-lo, apoiei o celular no chão e disquei para o primeiro contato salvo nos favoritos, não lembro ao certo quem era, se atendeu ou não, apenas lembro de no momento seguinte ligar para minha mãe, ainda não conseguia falar direito, mas pedi ajuda. Alguns minutos depois ela chegou e me levou ao hospital. Dentro do carro, aos poucos, os sintomas foram sumindo, passei pela triagem e quando fui atendida pela médica, me senti completamente maluca, porque descrevia sintomas de um AVC, mas estava "normal", quando ouvi da médica: "o que você teve foi uma crise de ansiedade." Esse tinha sido o dia mais aterrorizante da minha vida e não passou de "apenas uma crise de ansiedade", aff.


Ansiedade nem sempre significa doença.

Eu cresci em uma família com diversos tipos de doenças mentais, termo esse que para muitos é ofensivo, inclusive para meus familiares, mas para mim não, pois literalmente significa uma doença que ocorre na mente. Dentre essas doenças diagnosticadas, estão a depressão, bipolaridade, ansiedade, entre outras e eu por muito tempo tive preconceito, acreditava ser falta de fé, castigo de Deus, possessão demoníaca, frescura para chamar a atenção, mente ociosa e por aí vai, e por conta dessa discriminação eu andava em completo estado de negação sobre o que acontecia comigo, por isso ignorei sinais importantes, estágios iniciais de um problema que poderia ter sido tratado muito antes.


Ao longo da minha vida, ouvi diversos depoimentos a respeito do que seria ansiedade e as suas causas. Algumas pessoas diziam ser falta de fé, pois a final a bíblia diz em Filipenses 4:6-7: "Não andeis ansiosos por coisa alguma; antes em tudo sejam os vossos pedidos conhecidos diante de Deus pela oração e súplica com ações de graças; e a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus." Ora, então se alguém sofria com isso, o problema era porque não orava a Deus e não confiava que Ele cuidaria de todas as coisas. Outras pessoas, no entanto, já diziam ser expectativa demais, pois alguns afirmam sofrer de ansiedade antes de uma prova, no início de um relacionamento, em uma entrevista, num exame para tirar habilitação, então aqui o problema seria querer demais e a solução seria distrair a mente, ou até querer menos, se é que isso faz algum sentido. É verdade que ficar levemente ansioso para algumas coisas é normal e totalmente saudável, mas relativizar o problema, utilizar a palavra como se fosse status ou algo que te torne especial e diferente, é um equívoco. Devido a isso, eu acreditei que ansiedade era apenas uma sensação natural, como o medo, por exemplo, que nos põe ativos e vigilantes em uma situação de perigo, no entanto, acreditar que era só isso, me fez cega frente aos sintomas do que eu descobriria ser uma doença.


Com o passar dos anos, após acompanhamento médico, inúmeras sessões de terapia, tratamento medicamentoso, exercícios físicos, alimentação saudável, devocional em dia, assiduidade na igreja, eu continuei sofrendo com a ansiedade, foi aí que eu quase "buguei" de vez, pois não conseguia entender porque, mesmo após todos os tratamentos aquilo continuava me perseguindo.


Eu ainda não tinha entendido o que era a ansiedade.


Já ouviu a frase que para começar a resolver um problema é preciso admitir que ele existe? Pois é, como que admite algo que não se conhece ou sabe ao certo? Eu pulei uma etapa, não os profissionais que me ajudaram, fui eu mesma, pois conhecer o problema requeria que eu conhecesse a mim mesma e eu não conhecia.


Você se conhece? Essa pergunta às vezes parece ser simples de responder, afinal é só saber do que você gosta de comer, vestir, assistir, namorar. Mas não é só isso, conhecer a si mesmo requer muita coragem, coragem para primeiro admitir que não tem coragem nenhuma. É olhar para dentro, para aquela versão sua que você esconde de todo mundo, aquela que você tem vergonha, porque fez, pensou ou desejou coisas reprováveis. Aquela versão que sente medo, raiva, angústia, desolação, solidão, desespero ou inveja, alegria do fracasso dos outros, soberba, orgulho, que é arrogante, prepotente. Requer conhecer uma versão daquilo que você mais tem aversão. É difícil olhar para dentro e ver uma imagem assim.


Eu demorei longos 26 anos para entender isso, para entender que eu precisava olhar para dentro. Eu ainda não me conheço por completo, afinal passei maior parte da vida convivendo com uma estranha na minha própria cabeça, mas já dei o primeiro passo e sempre que precisar, vou dar de novo. Às vezes a gente precisa aprender a andar do zero para aprender a andar direito.


Ansiedade é uma sensação natural, mas também pode ser uma doença que é, geralmente, desencadeada por alguma ferida não tratada. Entenda bem, é desencadeada não gerada. Se você, assim como eu, sofre com ela, não é culpa sua, entretanto é sua responsabilidade procurar ajuda. Talvez você consiga viver com ela silenciada ou, como eu, com vez ou outra ela gritando no seu ouvido. De todo modo, não dá pra fingir que ela não existe na esperança que ela desapareça.


Já você que leu até aqui e não sofre com esse problema, procure praticar empatia por quem sofre, abrace, não diminua a dor do outro, não se coloque no lugar apenas para dizer que se fosse com você seria diferente.








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