Uma viagem, uma lição.
- Letícia Vichuate
- 3 de jan. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 27 de dez. de 2023

Pernas ansiosas, mãos trêmulas, respiração ofegante, estava eu ali sentada em uma sala de espera. Era um espaço aconchegante, com móveis de madeira, cheiro de incenso no ar, plantas de todos os tipos, todas acomodadas em vasos muito criativos, tapetes artesanais que pareciam estar à venda. O silêncio era tão intenso que podia ouvir o tic-toc do relógio preso na parede. Fiquei imaginando como seria morar numa casa como aquela, quanto luxo! Permaneci alguns minutos distante, mergulhada na própria imaginação, quando ouvi de longe alguns passos que me trouxeram de volta para realidade. Fui então convidada a entrar em outra sala, menor, um pouco escura com a persiana semiaberta. Admito, era um ambiente um pouco intimidador. Sentei, coloquei as mãos sobre a mesa, para demonstrar transparência e confiança como havia aprendido, pois afinal, era uma entrevista.
As perguntas foram objetivas, minhas respostas sinceras e eloquentes. Meu coração parecia pular para fora do peito a cada pausa e anotação que vinham seguidas da expressão: "hmm". Meu estado mental era de desespero, pois eu havia passado longos quatro anos desempregada, inúmeras entrevistas fracassadas, processos seletivos humilhantes, dificuldades financeiras e crises existenciais em que eu acreditei que nem para limpar um penico eu servia. Até que naquele dia, finalmente, eu fui aprovada. Ah! Como eu sonhava com aquele momento! Sem muita burocracia, comecei a trabalhar, aos poucos fui me adaptando e entrando na rotina, atendendo ligações, enviando e-mails elaborados e até montando um site. Os dias se passaram, as responsabilidades foram aumentando, até que fui convidada a viajar pela empresa e aceitei o desafio. A felicidade era tanta que parecia um sonho, eu estava em êxtase, afinal era minha primeira viagem sozinha! No dia anterior à viagem, no caminho até em casa comecei a pensar: o que se leva para uma ocasião dessas, que roupa devo usar, como devo me comportar? Se eu fizer algo de errado, vou perder meu emprego? Foi aí que começou, de repente, por um simples pensamento, o que era empolgação e alegria, transformaram-se em medo.
"... até que não consegui conter e as lágrimas saíram sem esforço."
Cheguei em casa, com estômago embrulhado e fui direto em direção ao quarto. O cheiro de naftalina e roupa limpa emanavam do guarda-roupa enquanto eu tirava uma peça atrás da outra, sem saber o que escolher, olhei para aquela bagunça em cima da cama e passei a ficar nervosa pensando no trabalho que eu teria para colocar tudo no lugar. Nunca fui fã de me arrumar para sair, muito menos escolher roupa para viagem, somando tudo isso com o fato de eu lutar com a minha aparência, tornou todo aquele processo muito difícil. Do embrulho no estômago, passei a sentir as batidas do meu coração ficar mais forte, senti como se ele fosse sair para fora. Tentei me acalmar, respirei fundo, mas senti minhas pernas amolecerem e minhas mãos tremerem, então sentei na beira da cama e continuei respirando e comecei a contar até 10... 1, 2, 3, 4, até que não consegui conter e as lágrimas saíram sem esforço. Era uma crise de ansiedade, mais uma. Às vezes eles acontecem por uma razão óbvia, outras por motivos que só Deus sabe, e essa era uma.
Ainda sentada na beira da cama aos prantos, porque minha primeira viagem a trabalho seria um fracasso, que uma "voz sussurrou" no meu ouvido e disse: "Você está olhando na direção errada." Não entendi de primeira vez, mas a "voz" continuou insistindo. Após longos minutos em conflito interno, minha mente silenciou e eu entendi. Naquele momento pedi perdão para Deus, pois eu havia perdido o foco, eu estava olhando para minha própria imagem, contando com as minhas próprias forças e capacidade, preocupada em parecer bonita, inteligente e de confiança, estava com meus olhos no que é passageiro ao invés de olhar para Cristo, havia tirado meus olhos da cruz e esquecido que tudo o que eu tinha era Deus quem tinha me dado, inclusive o emprego. Abri os olhos, o quarto estava escuro, havia anoitecido e se passados quase 40 minutos, então levantei, lavei meu rosto, respirei fundo e comecei a arrumar as roupas. Agora de malas prontas e banho tomado, conferi o despertador e me pus a dormir.
"Nós repetidamente esquecemos disso, diariamente traçamos nossas metas e incessantemente batalhamos para alcançar nossos objetivos..."
Amanheceu, um dia nublado com um sol tímido, a brisa com um cheiro suave de chuva, eu coloquei a roupa escolhida, peguei um táxi e fui em direção ao Aeroporto. Enquanto andava em direção a ponte de embarque, observei atentamente todo aquele movimento, pessoas para todos os lados, todas muito diferentes umas das outras, algumas trajadas formalmente como se estivessem saindo de um tribunal, outras de bermuda e regata parecendo estar voltando da praia. Cada uma na sua realidade, com seus sonhos e problemas. Embarquei no avião, sentei ao lado da janela e admirei a paisagem. Uau, minha primeira viagem sozinha.
Naquele dia aprendi que Deus é quem tem o controle de tudo. Nós repetidamente esquecemos disso, diariamente traçamos nossas metas e incessantemente batalhamos para alcançar nossos objetivos e esquecemos que nossa força vem de Deus e que nossos planos só se realizam por que Ele permite. Mesmo aqueles que não acreditam, são sustentados por uma Mão que não conhecem.
Ainda hoje eu esqueço disso, em meio às nuvens esqueço quem controla o sol, mas todos os dias as misericórdias dEle se renovam e me abrem novamente os olhos e apontam a direção certa.
"Graças ao grande amor do Senhor é que não somos consumidos, pois as suas misericórdias são inesgotáveis. Renovam-se cada manhã; grande é a sua fidelidade! Digo a mim mesmo: a minha porção é o Senhor; portanto, nele porei a minha esperança. O Senhor é bom para com aqueles cuja esperança está nele, para com aqueles que o buscam." Lamentações 3: 22-25_NVI
"Lembre-se sempre, o seu foco determina a sua realidade." Qui-Gon Jinn
Sugestão de música da semana - A Voz - Os Arrais.
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